Mato Grosso

Parte I – Mato Grosso, a grande vítima. 
 
O governador Carlos Bezerra apenas em parte tem razão quando afirma, ao analisar os problemas energéticos do Estado, que “o mal de Mato Grosso foi procurar resolver a coisa depois que estava tudo liquidado, pois não havia previsão” e que “sempre achou que a Eletrobrás era a culpada, que o governo federal se omitia, mas também não havia planejamento por aqui”. Se é verdade que muitos governos, anteriores ao dele, não moveram sequer uma palha no sentido de buscar uma solução que evitasse o sufoco em que o Estado sempre viveu, mais verdade ainda é que a União nem sempre se propôs a formular planos – a executá-los – de modo a permitir a Mato Grosso não ficar, como está até hoje, submetido a decisões técnicas que geralmente não coincidem com os interesses que defende na área de suprimento de energia elétrica.

O primeiro grande planejamento que se tem notícia em Mato Grosso foi promovido durante o governo do sr. Pedro Pedrossian, um armênio audacioso que resolveu a correlação que, na época, manipulavam a administração estadual. No seu “Plano de Desenvolvimento Econômico do Estado de Mato Grosso” (69-71), Pedrossian afirmava, através da equipe que elaborou o documento, que “ao contrário do que se acreditava no passado, na ausência de atuação consciente neste sentido, o desenvolvimento econômico tende a não se difundir de maneira homogênea para todo um País”, acrescentando que “empiricamente, tem se comprovado que o fenômeno da elevação do nível de bem estar manifesta-se segundo um modelo em que determinados setores com grande dinamismo, geralmente concentrados em certas áreas (denominadas pólos de desenvolvimento no sentido lato da expressão), crescendo, difundem os efeitos desta expansão sobre o conjunto das atividades econômicas com intensidade variável, dependendo da eficácia dos canais propagadores”.

Dizia ainda o ex-governador, com base em estudos desenvolvidos naquela época, que “este processo atua no sentido de gerar um processo cumulativo de expansão das áreas que já dispõem de economias externas” e, sendo assim, “o livre jogo das forças de mercado tende, em geral, a aumentar e não a diminuir as desigualdades regionais”, sustentando tal argumento nas conclusões a que G. Arydal havia chegado nos estudos que realizou sobre “Teoria Econômica e Regiões Subdesenvolvidas”. Para o ex-governador, “o planejamento governamental é uma forma de orientação da economia que suplementa e corrige as indicações do mercado e, como está implícito nesta definição, este não substitui o mecanismo de mercado, sobretudo em uma economia capitalista, onde ele apenas atua no sentido de assegurar uma maior eficiência do sistema de preços para a coletividade como um todo”. O mesmo Pedrossian, entretanto, assinalava que qualquer plano não pode ser considerado “uma panacéia capaz de resolver todos os males do Estado, caracterizando-se, acima de tudo, por uma previsão de acontecimentos e seus condicionamentos econômicos”, sublinhando também que não se poderia desprezar o fato de que “a elaboração do plano propriamente dito não implica em que se esteja implantando um processo de planejamento no Estado, sendo indispensável uma atuação do Poder Público sobre a realidade, imprimindo a economia uma evolução diferente da que ocorreria pela simples ação das forças de mercado”.

De que valeram as advertências do governador?

Depois de seu período governamental, o País entrou definitivamente numa fase em que nada mais se fez, em qualquer setor da administração pública, em todos os níveis, senão através de decisões arbitrárias e ditatorialmente concentradas em Brasília nos mil e um órgãos direta ou indiretamente subordinados à tecnocracia, ou seja existência os governos militares incentivaram visando assegurar, sob o seu desmando, a execução do modelo de desenvolvimento imposto ao País pelo governo político-militar religioso de 1.964.

No caso específico de Mato Grosso, o resultado dessa política foi castastrófica. Nada que o Estado pensava tinha importância. Ou porque pensava errado, segundo a tecnocracia brasiliense, ou patamares” que lhe permitissem impor suas aspirações à administração federal. Como esses “patamares” não foram atingidos, Mato Grosso continuou e continua sem solução para os principais problemas que emperram seu crescimento. E um desses problemas, talvez o mais gritante, é energético.

Parte II – O complô contra o Estado. 
A história do suprimento de energia elétrica a Cuiabá e à parte do Estado que restou após a divisão de 1979, é muito simples. Um ex-diretor da Centrais Elétricas Matogrossenses S/A – Cemat – Sr. Carmelito Torres, em conferência proferida no dia 30 de julho de 1974, no anfiteatro do antigo Colégio Estadual de Mato Grosso, desta capital, com base em trabalho elaborado pelo falecido professor Francisco Alexandre Ferreira Mendes (“Energia Elétrica – Problema Vital para Cuiabá” – 1971), informou que “o primeiro serviço de iluminação pública em Cuiabá foi inaugurado no dia 30 de novembro de 1879 pelo então presidente da Província, Dr. João José Pedrosa, que usava como combustível o querosene em substituição às antigas lamparinas de azeite que, por iniciativa particular iluminava as testadas das casas dos mais abastados residentes na cidade.”
No início deste século – acrescentava Carmelito Torres – a iluminação a gás acetileno constituiu empreendimento alvissareiro, representando grande passo ao avanço do progresso e a civilização universal). Cuiabá, em 1911, graças ao espírito empreendedor do intendente municipal, Cel. Avelino de Siqueira, ostentava com toda a opulência as suas praças e ruas centrais iluminadas a gás. Em 1919, por ocasião dos festejos do bicentenário da fundação de Cuiabá inaugurou-se o primeiro serviço de iluminação pública, com energia elétrica, cujos os geradores eram movidos com máquinas a vapor, graças aos esforços e conhecimento do cidadão João Pedro Dias, por determinação do presidente do Estado, àquela época o eminente e reverendíssimo conterrâneo arcebispo Dom Francisco de Aquino Corrêa da Costa, foi inaugurada a primeira usina hidrelétrica que utiliza o desnível do rio da Casca, melhorando as instalações existentes, ampliando-as e dotando a cidade de um serviço de distribuição pública que muito beneficiou a incipiente indústria cuiabana da época. Em 1941, esta usina teve a sua capacidade duplicada no governo do interventor Júlio Strubing Muller. Em 1954, no governo do Dr. Fernando Corrêa da Costa, uma nova usina hidrelétrica era construída e inaugurada no rio da Casca, pouco à jusante da primeira, com disponibilidade energética quatro vezes superior àquela.

Em 1960 – prosseguia o ex-diretor da Cemat – a capacidade desta usina foi completada no governo do Sr. João Ponce de Arruda, sendo neste período constituída a Cemat, como órgão diretor da política energética do Estado. Em 1964, no segundo período governamental, o Dr. Fernando Corrêa da Costa, tendo em vista os elevados índices de crescimento demográfico que Cuiabá começava a experimentar, em face do despertar do progresso regional, dá-se início à construção de uma nova usina, no terceiro desnível existente no rio da Casca, dispondo esta usina de quatro vezes a potência instalada na anterior que mandara construir. Em 1966, o governador Pedro Pedrossian prossegue a construção da usina Casca III e, antes mesmo de construída esta usina, teve necessidade a Cemat de reforçar o seu sistema gerador com a instalação de um conjunto diesel elétrico de 3.400 KW para atender ao sistema. Em 1971 era inaugurada a terceira usina do rio da Casca, já no governo do Sr. José Fragelli. No período de 1971 a 1973, a Cemat, em conjunto com a Eletrobrás, estudou diversas possibilidades hidroenergéticas existente em torno de Cuiabá e destes estudos resultou mais viável, técnica e economicamente, a necessidade da construção da central de Couto Magalhães, no desnível existente do rio Araguaia, distante aproximadamente vinte quilômetros à jusante da cidade de Alto Araguaia.

Esta Central – informava na época o engenheiro Carmelito Torres – terá uma capacidade de 180 mil quilowatts (KW), sendo sua construção prevista para o período de 1975 a 1979 a cargo da Eletronorte, empresa subsidiária da Eletrobrás. No período que medeia esta construção, o nosso sistema será reforçado, no próximo ano, com mais 20 mil KW provenientes da Usina Cachoeira Dourada, da Celg, dando assim um sentido inverso à abordagem da obra, isto é, construindo primeiro a linha de transmissão que servirá no futuro à Usina Hidrelétrica “Couto Magalhães” e se beneficiando dela imediatamente para o atendimento do consumo crescente, através da aquisição de energia da Celg (Centrais Elétricas de Goiás). Em 8 de abril de 1974 era inaugurada pelo governador José Fragelli a nova usina diesel elétrica de Cuiabá, com 10 mil KW de potência, para aliviar a pressão do consumo, mesmo antes da operação da linha de transmissão.

Em termos rigorosamente históricos – e não há como negar isso – os fatos foram justamente os que serviram para as informações prestadas pelo engenheiro Carmelito Torres. Mas há fatos, à margem da história oficial, que indicam a existência, senão de um complô, pelo menos de uma declarada intenção de evitar um desenvolvimento harmonioso da economia estadual.

E tudo com base nas decisões da tecnocracia instalada em Brasília pelo governos dos generais.

Fonte:  http://www.diariodecuiaba.com.br/especial2.php?cod=3&mat=11827

· Parte I – Mato Grosso, a grande vítima
· Parte II – O complô contra o Estado
· Parte III – A história de um escândalo
· Parte IV – Um projeto morto e sepultado
· Parte V – A ordem de parar
· Parte VI – A briga das estatais
· Parte VII – O recuo da Eletronorte
· Parte VIII – Eletronorte, uma presença desastrosa
· Parte XIX – As consequências danosas de Manso
· Parte X – Fechamento do reservatório