MATO GROSSO: LUTAS ENTRE 1891 E 1906

LUTAS ENTRE 1891 E 1906

Revolução da legalidade

A notícia da Proclamação da República constituíra surpresa em Mato Grosso, lá chegando em 9 de dezembro de 1889. Alvoroçados pela desconcertante e inesperada mudança, os políticos de Cuiabá trataram de organizar um novo governo, pois o presidente da Província renunciara. Assumiu-o o General Antônio Maria Coelho, escolhido pela Assembléia local e aceito pelo governo provisório da República. Dentro de pouco tempo, desgostoso, Deodoro da Fonseca exonerou-o, escolhendo para substituí-lo o Tenente-Coronel Frederico Solon de Sampaio Ribeiro, o mesmo que levara ao Imperador a comunicação de que fora instalado novo regime político no país.

Obtivera maioria nas eleições em Mato Grosso, em 3 de janeiro de 1891, o Partido Nacional, fundado pelo General Antônio Coelho. Como houve fraude, o pleito foi anulado por ordem de Solon Ribeiro, que fez realizar outro pleito a 28 de maio, no qual saiu majoritário o Partido Republicano, fundado por Generoso Paes Leme de Souza Ponce.

O Tenente-Coronel Solon Ribeiro foi ainda em 1891 substituído pelo Coronel João Nepomuceno Medeiros Mallet, a quem coube entregar o governo dentro do novo sistema constitucional.

A Assembléia Constituinte instalou-se a 30 de junho, elaborando a Constituição do Estado de Mato Grosso promulgada a 15 de agosto. A mesma Assembléia elegeu o Presidente e o Vice-Presidente do Estado respectivamente Manuel José Murtinho e Generoso Ponce.

O Partido Nacional não se conformou, crendo que os seus candidatos eleitos em 3 de janeiro é que mereciam os cargos; colocou-se na oposição, aguardando a primeira oportunidade para depor o novo governo.

A dissolução do Congresso Nacional, a 3 de novembro, originou o movimento de 23 de novembro, encabeçado pelo Almirante Custódio de Melo, do qual resultou a renúncia de Deodoro e a ascensão do Marechal Floriano Peixoto à Presidência da República. Este movimento repercutiu em vários Estados brasileiros, inclusive em Mato Grosso, onde os políticos da oposição, conseguindo o apoio das guarnições militares sediadas em Cuiabá, Corumbá, Nioaque e Miranda, articularam a derrubada do governo estadual.
Em Corumbá, no dia 22 de janeiro de 1892, militares ligados aos civis filiados ao partido da oposição, liderados pelo Major Aníbal da Mota, depuseram algumas autoridades locais e se dirigiram para Cuiabá, seguindo, também, o 21º Batalhão de Infantaria. Em Cuiabá, cercaram o Palácio do Governo e intimaram o Presidente a deixar o governo. Os vencedores organizaram uma Junta governativa, destacando-se o Major Aníbal da Mota.

Em Corumbá, os militares discutiram que posição adotar contra o governo federal. O Capitão José Maria Ferreira aventou a solução de declarar livre o Estado, obtendo recursos hipotecando o Estado à Inglaterra. O Presidente deposto seguiu para o Rio de Janeiro, em busca de apoio federal, enquanto Generoso Ponce procurava reunir adeptos para o restabelecimento da situação. No início de abril, arregimentou nos municípios próximos à capital cerca de 1.500 homens. A 10, aproximaram-se e cercaram a cidade, tendo-se realizado um encontro de Ponce com a autoridade que substituíra a Junta governativa, o Coronel Luís Benedito Pereira Leite, que não opôs resistência, renunciando. Decidiu-se o estabelecimento de uma junta militar, comprometida a restituir a normalidade ao Estado e a desempenhar sua missão com isenção partidária.

A Junta comunicou ao Presidente da República a sua intenção de proceder ao desarmamento geral, aguardando ordens para entregar o poder a quem fosse determinado. No entanto, oito dias depois, intimada pelos oposicionistas de Corumbá que não aprovaram o acordo, devolveu o governo. A decisão provocou uma reação imediata de Generoso Ponce que reuniu em 15 dias 3 mil homens e marchou para Cuiabá. Assumiu a chefia do Estado em 7 de maio de 1892, pois o Presidente legal estava ausente de Mato Grosso e, como Vice, deveria substituí-lo.

Os acontecimentos foram comunicados às autoridades federais e em seguida a ordem foi restabelecida nas cidades rebeladas. Apaziguou-se politicamente o Estado, iniciando-se um largo período de paz que permitiu a reorganização administrativa.

Contestação à legalidade – 1899

O resultado das eleições de 1º de março de 1899 deram a vitória ao Dr. João Félix Peixoto de Azevedo para Presidente do Estado no próximo período governamental. Sua escolha para candidato, por indicação de Ponce, provocou cisão no Partido Republicano, contrapondo-se-lhe a candidatura de José Maria, Metelo, apoiada por Manuel Murtinho. As divergências no partido situacionista provocariam agitação política propícia a novos movimentos revolucionários. Das duas facções, uma queria a anulação das eleições, a outra o reconhecimento da vitória do Dr. João Félix.

O Presidente Antônio Cesário, cujo mandato estava no fim, vendo a gravidade da situação, solicitou o auxílio do governo federal, com a finalidade de manter a ordem. O Presidente Campos Sales julgou inoportuna a intervenção no Estado e determinou ao comandante do Distrito Militar, em Cuiabá, que as forças federais conservassem posição de neutralidade.

Quando julgaria oportuno intervir o Presidente da República ou o seu representante? Quando estivesse vencido? Parece que sim, pois até mesmo elementos de apoio, como o fornecimento de munição, foram negados pelo governo federal.

O descontentamento dos que desejavam a anulação das eleições originou a criação de um grupo rebelde de cerca de 3 mil homens, sob o comando do Coronel Antônio Paes de Barros (Totó Paes) que cercou Cuiabá exigindo que a Assembléia, presidida por Ponce, anulasse as eleições. Nesse ambiente de guerra, reuniram-se os deputados a 10 de abril, sob a ameaça das forças rebeldes, e sem condições de, com plena liberdade, solicitar a intervenção federal nos termos do artigo 6º, parágrafo 3º, da Constituição.

As comunicações com a capital federal haviam sido interrompidas pelos sediciosos; tentaram os deputados, como último recurso legal, pedir a intervenção do comandante do Distrito Militar, a qual lhes foi negada, dadas as determinações recebidas anteriormente para manter a neutralidade.

De 10 a 17 de abril, Cuiabá transformou-se em campo de batalha, vivendo dias sinistros. Reunidos em sessão permanente, os deputados anularam as eleições de 1º de março, evitando que mato-grossenses continuassem uma luta desastrosa.

A 15 de agosto de 1899, elegeu-se Presidente Antônio Pedro Alves de Barros, legitimando o poder.

Nesse conflito, a força de resistência, com o efetivo de 1.300 homens se opôs a 4 mil revoltosos, conseguindo que os adversários admitissem a sua firme disposição e evitassem novos combates, numa questão de objetivos puramente políticos. As tropas proporcionaram exemplos de respeito ao adversário.

Revolução de 1906

O governo de Antônio Pedro não deixou os adversários políticos tranqüilos, sucedendo-se atentados e vitimas fatais.

Antônio Paes de Barros impôs-se na política mato-grossense graças à atuação contra o governo, conseguindo ser eleito sucessor de Antônio Pedro. Durante o seu governo (1903-1906), o partido oposicionista aumentou muito o número de eleitores. Com o apoio das forças militares, Generoso Ponce, que estivera dois anos no Paraguai, articulou um movimento de deposição de Paes de Barros, a partir de Corumbá.

A derrubada do governo municipal de Poconé, por agentes do governo estadual, em plena efervescência dos ânimos, trouxe o pretexto sofregamente esperado para a explosão revolucionária.

Os insurgentes, em número de 500, reunidos em Corumbá, sob a chefia de Generoso Ponce, partiram para Cuiabá a 17 de maio, subindo o rio Paraguai em 10 embarcações. Receberam o apoio da população, das autoridades e do 19º Batalhão de Infantaria, de São Luís de Cáceres, revoltado por iniciativa do Tenente Clementino Paraná. Em seguida, Ponce mandou atacar Pindaival e Itaici, redutos de Paes de Barros, e neste último estabeleceu a sua base operativa.

Na capital, o Presidente do Estado aguardava as forças federais solicitadas ao Presidente da República, pois julgava as tropas sediadas na cidade insuficientes para combater os revoltosos.

O governo federal mandou preparar uma expedição comandada pelo Coronel Emídio Dantas Barreto, com 2 mil homens, para socorrer o Presidente do Estado. Vencendo uma série de obstáculos e depois de muitos sacrifícios, o contingente chegou a Cuiabá a 8 de julho, sendo que a vitória da oposição já era um fato consumado. Enquanto isso, industriais, fazendeiros, militares, comerciantes e magistrados irmanaram-se pela causa dos revoltosos. Tratava-se de pôr fim a um período discricionário que tivera início em 1899, com Antônio Pedro Alves de Barros.

As forças oposicionistas vindas de Cáceres, Poconé e Corumbá cercaram a capital. Um episódio marcante foi o encontro da força fluvial revolucionária, sob o comando do Tenente Clementino Paraná, com uma flotilha da Marinha que tentou interceptá-la na rota Cáceres-Cuiabá, sem sucesso.

O Tenente-Coronel Manuel Lopes Carneiro da Fontoura, comandante da guarnição do Exército em Cuiabá e o Capitão-Tenente Protógenes Guimarães, que dirigia a Escola de Aprendizes Marinheiros, procederam ao recrutamento de civis. Paes de Barros, com o apoio da polícia do Estado, arrebanhou pessoal em Itaici e no Pindaival.

O comandante do “Exército Libertador” apertou o cerco. Começaram a escassear os alimentos na capital. Em Capela, nas proximidades, deu-se o primeiro choque da vanguarda dos insurgentes com os governistas. As forças revolucionárias entraram em Cuiabá a 21 de junho, e no dia 30, Generoso Ponce intimou o Presidente a se render, para evitar maiores sacrifícios à população sitiada.

Antônio Paes de Barros e seus companheiros fiéis, não aceitando a rendição, resolveram fugir para o interior na noite seguinte, mas foram cercados em Coxipó do Ouro, a 6 de julho, pelo Coronel Joaquim Caldas e seus soldados, e após um rápido combate foram mortos e feridos alguns de seus acompanhantes.

A revolução triunfara. Assumiu o governo o Vice-Presidente Pedro Leite Osório, pacificando Mato Grosso. Voltaram os dias de tranqüilidade.

A coluna Dantas Barreto não chegou a tempo de poder interferir nos eventos.

Lições do movimento

O levante em Corumbá, o deslocamento pelo rio Paraguai para atingir Cuiabá, a rebelião de São Luís de Cáceres e o cerco da capital evidenciaram o valor militar das tropas libertadoras. Os homens que encetaram o movimento iriam revelar, durante os acontecimentos, grande coragem, bravura e espírito de sacrifício. A falta de recursos, as dificuldades de deslocamento e a deficiência de armamento e munição foram superadas com estoicismo e confiança.

 Exército Brasileiro — Mato Grosso: Lutas Irregulares entre 1891 e 1906. Consultado em 23 de abril de 2021