PAULO ZAVIASKY |
Os mistérios do Morro da Luz
O “Morro da luz” era assim chamado por causa da única e pequenina “casinha”, comprida, parecendo de dois andares, por causa da altura de quase oito metros e suas janelinhas bem lá em cima.
Dentro, apenas alguns transformadores dinossauros, montes de fios grossos que recebiam a “energia” elétrica do Rio Casca e faziam a distribuição por toda a Cuiabá. Era a “Casinha da EFLA”, empresa de força, luz e água.
No meio dela, aquele vazio, sujo, tudo cheirando a óleo, e o telhado a quase oito metros de altura. Umas plataformas de madeiras, quase quebrando, em volta de suas paredes com algumas janelas pequenas nos quatro lados.
Uma escadinha de madeira, também rústica e velha, e, só!
Era a “estação de distribuição” da “energia” elétrica.
Essa distribuição por toda a Cuiabá, entendam por Cuiabá e Várzea Grande, esta que era mais um gostoso meio rural cuiabano. A cidade mesmo fervilhava no porto onde tudo começou e que o Joel Bulhões me prometeu de joelhos, recentemente, numa locadora de vídeos, que me daria informes sobre os famosos becos, ruas, casas, famílias daquele bairro histórico e… Continuo aguardando!
Do porto, Cuiabá terminava no “bairro da Mandioca”, Praça Conde de Azambuja e a menor, a meu ver, rua de Cuiabá e que muitos historiadores teimam em olvidar, que é a rua Governador Rondon que fora chefe do executivo mato-grossense, 2º Vice-Governador, José da Silva Rondon, comerciante e pecuarista e que administrou o nosso Estado por dois meses e cinco dias, de 01/04/1891 à 06/06/1891.
Portanto, nada a ver com o nosso herói sertanista mimoseano Mal. Cândido Rondon. Essa rua começa na Praça Conde de Azambuja, bairro da Mandioca, e termina na avenida Mato Grosso, uns cem metros, mais ou menos. Só.
Mas, dizia, por causa dessa “casinha da EFLA”, a única que se via de quase todo lugar de Cuiabá, aquele morro onde hoje está a EMBRATEL e a CEMAT, que, por sinal era um mato só, intercalado por picadas escorregadias por causa de tantos pedregulhos, sempre fora conhecido por “morro da luz”.
O engraçado é que naqueles labirintos de nossa infância, para se chegar até aquela casinha da luz da EFLA (hoje CEMAT), havia vários muros de taipa socada e de pedras cangas, vermelhas, gastas pelos tempos…
Havia, também, ruínas de antigas construções, demonstrando que por ali houvera casas que abrigaram muita gente que ficou no infinito do esquecimento histórico. Aos poucos, tais muros de taipa socada e de pedras cangas foram desaparecendo e até os pedregulhos escorregadios – nem sei como havia, nasciam, árvores, mato demais, cerrado, por ali -, as frutas, as galinhas que tanto adorávamos para os quitutes de nossa infância.
De vez em quando, alguns roncos, gritos de porcos que metia um medo danado na criançada da época. Por sorte, havia aqueles muros que eram mais altos e resistentes do que as nossas frágeis moitas de “são caetano” de nosso cerrado no “morro da luz”.
Lá de cima, a conquista. Víamos a cidade inteirinha. Do porto, mundéu, Ribeirão do Lipa, bairro da mandioca.
Porém, um mistério. Nunca soubemos o que ficava, o que existia do outro lado do morro. Era um mato infinito que ia até onde a vista alcançava. Mas, ouvíamos, ao longe, o rufar de tambores, o cântico afro-brasileiro, sabíamos da existência do mais famoso conjunto desta terra, formado pela “Turma do Morro” que tanto sucesso fez na Rádio A Voz d’Oeste, da Lili e do Roberto Brunini.
Era a única e luxuosa emissora de Rádio de Cuiabá. No tempo de ouro da radiofonia brasileira. Do luxo dos espetáculos quando Rádio era Rádio e não apenas esse velório terminado e sepultado, púlpito das quarenta e sete seitas religiosas que gritam em nossos ouvidos, dia e noite, burlando as normas da ANATEL, desobedecendo as mais básicas normas jurídicas de nossa soberania nacional que são a obrigatoriedade de ser Radialista e não pastor gritante, folha corrida na polícia, passar por licitações, investir numa emissora, e ofertar entretenimento, enfim, todas aquelas cláusulas obrigatórias que o cerrado de Brasília finge desconhecer, fazendo vistas grossas em troco de caixas dois para as políticas de nossa terra, pois, todo mundo está gago em saber que o que mais lucro oferece no Brasil são, além dos rombos, roubos públicos, são os jogos, cassinos e as seitas religiosas!
Mas, nunca fomos além do “morro da luz”. Até o menino, nosso amigo de infância, Carlos Gomes Bezerra, hoje senador de “nossa” República, se atreveu a descobrir o que havia atrás do “morro da luz”.
Uns, diziam que era a cidade de São Paulo. Outros, que logo após o “morro da luz”, havia a imensidão de um mar… Chegamos a pensar que além do “morro da luz” havia um dos maiores precipícios do mundo! Como era doce a imaginação infantil.
Quase quis rever São Paulo, aos 11 anos, tentando ir além daquele nosso “morro da luz”… É que as picadas existentes até o Coxipó da Ponte eram através do Mundéu (rua Gal. Mello) e não conseguíamos unir a bússola de nossa criancice. É claro que outras picadas também levavam até o Coxipó…
A pior coisa que pode acontecer com uma criança é a briga com a namorada que faz com que nem sintamos o ferro do fogão à lenha queimar nossos cotovelos, a descoberta de que Papai Noel não existe e que alguns sonhos também nunca existem mesmo.
Descobrir que atrás do “morro da luz” é apenas o roteiro do lendário Coxipó de nossos sonhos também, não há mar algum e nem é São Paulo, dói p’rá caramba.